Espaços lembrados para fazer livros esquisitos
um relato a partir da experiência no Sesc Belenzinho
como podemos no espaço estar juntos? será que dá pra fazer amizade? decidimos experimentar a mesa grande! separamos apenas uma para deixar na entrada com nossos livros. era um convite ao espaço.
Da saída do metrô até o sala andamos uns 15 minutos. Uma larga escadaria no acesso ao Sesc, o caminho diário ao lado da piscina y no prédio dos fundos subir até o primeiro andar. Lá as grandes salas: ficamos por um mês a ocupar a ‘sala dois’ nos períodos da tarde de quarta a sexta y o dia inteiro aos finais de semanas. Espaço para fazer livros-esquisitos.
A sala retangular, os tons cinzas, encostada na entrada teares de pente-liço y bilros para renda. Também armários nos dois cantos y várias mesas grandes. De um lado janelas y pias y do outro a entrada toda de vidro. De fora podem nos ver, de dentro vemos lá fora. As paredes da lateral nos unem às outras salas, a ‘sala um’ sempre com alguma oficina de manualidade y o ‘espaço de tecnologia e artes’ mais agitado aos finais de semana.
O primeiro dia
sábado. no centro da sala várias mesas “coladas” formando um mesão. não gostamos. o que fazer? separamos algumas, trazemos para frente. deixamos 3 mesas separadas. uma para cada um. fizemos assim outra vez, vamos repetir. y foi. cada um no seu espaço.
a mesa de ana. a mesa de airu. a mesa de oluá. as pessoas entram, fazem, saem. não vejo as pessoas das outras mesas. pouca conversa, uma pressa. daqui a pouco começa a peça y todos precisam ir.
A primeira mudança
domingo. saímos do dia anterior a estranhar, mas sem saber. na manhã é hora de livro-bixo. mas chega o tempo y o espaço quase vazio. duas pessoas. paulo então convida: vamos todos sentar aqui. então, ficamos os 5 na mesma mesa. y brota um cado de conversa: a menina pequena a falar das cobras de qual tanto gosta y sabe os nomes y o pai a cavucar jeitos de fazer sua coruja. a sala vazia estava cheia. éramos, uma mesa.
Experimentar o mesão
y foi! a oficina fluiu de outro jeito. menos entra y sai. mais entra y vai até o fim. acompanha o processo inteiro. menos pressa.y foi! a oficina fluiu de outro jeito. mais professoral. mais aula. mais faz direito. mais uma pessoa em pé a orientar o processo. menos jogo.
quarta. sentimos que precisava ter mais jogo de olhar. queríamos troca entre as pessoas. não estávamos ali para cada um no seu quadrado. como podemos no espaço estar juntos? será que dá pra fazer amizade? decidimos experimentar a mesa grande! separamos apenas uma para deixar na entrada com nossos livros. era um convite ao espaço.
y foi! a oficina fluiu de outro jeito. menos entra y sai. mais entra y vai até o fim. acompanha o processo inteiro. menos pressa.
y foi! a oficina fluiu de outro jeito. mais professoral. mais aula. mais faz direito. mais uma pessoa em pé a orientar o processo. menos jogo.
fazer o mesão mudava tudo. um grupo se formava. mas os olhares continuavam a ficar em seu lugar. como olhar aos lados?
Um rolo de kraft
experimentar mais um pouco. buscar algum jogo. talvez se sentarmos? talvez algo. mas tem a mesa. ela nos coloca de um jeito. corpo sentado à mesa. onde experimentamos esse corpo? corpo escritório, corpo escola, corpo refeição. corpo olhando pra frente. o que podemos experimentar numa mesa?
no material para as oficinas, um rolo de papel kraft. trabalhamos esse papel para a composição dos livros ‘restos diários’. ainda estava guardado. agora, a mesa permitia. jogamos o kraft na mesa. uma grande tira de um lado, y outra do outro. as mesas grandes criavam um grande espaço entre um lado y o outro.
novamente o ‘livro-bixo’. vamos desenhar de giz os bichos. y aos poucos nascem os bichos escolhidos de nossos cartões: sanhaçus, onças-pintadas, peixes dourado… faço um pedido, olhe para o bicho do lado, invada, faça eles viverem junto. espero algo. nada acontece. cada bicho permanece no seu quadrado. não invade o do lado, não sabe qual é o da frente. as pessoas continuam sentadas cada uma em sua cadeira. em sua parte que cabe.
Existe roda sentado em mesa?
y se não der? y se ficar frio? y se causar desconforto? os ‘y se’ foram todos reais, mas em cada um era possível um jeito.
era a mesa que nos incomodava. ali podíamos propor outro movimento. decidimos arriscar o chão. fazer um grande tapete de kraft y deixar as oficinas acontecerem ali, no baixo. as mesas colocamos nos cantos, expomos os livros y organizamos nelas os materiais que eram usados ao longo do encontro.
ao centro, apenas o tapete vazio. as pessoas chegavam y sentavam no chão. y se não der? y se ficar frio? y se causar desconforto? os ‘y se’ foram todos reais, mas em cada um era possível um jeito.
o agora era que realmente aconteciam rodas. às vezes uma, às vezes várias. mas aconteciam: conversas, cuidados coletivos, enfrentamentos, escorregões. algumas pessoas se olhavam, outras mais em si. agora a roda girava. o que acontece numa roda?
Espaços irrompem
o chão, a roda, a sala grande nos permitiu encontrar um modo. nos deu novas ideias para processos no durante das oficinas. nos mostrou sobre testar o tempo, testar os processos. vamos crescendo de mundo a cada tentativa.
o processo para achar um modo de estar y propor as oficinas durou duas semanas. depois seguimos com a feitura ao chão sobre o tapete de kraft. era o que nos alegrava. não é o melhor ou o certo. é o que irrompeu. exigia da gente chegar antes, arrumar as mesas, fazer o tapete, fixar. também exigia cortar o tapete com os desenhos para ser material para o ‘restos diários’. foi cansativo lidar com essa matéria, ela nos forçou. mas esse forçar nos produz em relação. hoje quero, amanhã não quero. hoje posso, amanhã não. cada um vai a testar seus limites. o dia em que coloquei os guaches ao chão y as crianças pintaram tudo: pés, chãos, corpo; foi cansativo, mas foi alegre. fugiu do controle por ser chão, nos deu rasteira, mas levantamos na alegria de fazer, de deixar ser. às vezes alguém grita y pega os materiais pra si. às vezes alguém ajuda o outro a encontrar a imagem que quer.
o chão, a roda, a sala grande nos permitiu encontrar um modo. nos deu novas ideias para processos no durante das oficinas. nos mostrou sobre testar o tempo, testar os processos. vamos crescendo de mundo a cada tentativa. na próxima vamos tentar repetir o chão, será que dá? talvez não, talvez sim… cada espaço se irrompe de nós.
vinicius airumã verão de 2020/ são paulo de piratininga
Este é o segundo texto da série de memórias a partir da experiência de oficinas Livros-esquisitos no Sesc Belenzinho, no mês de janeiro de 2020. Confira o primeiro Evocar memórias y na próxima terça teremos o texto: Aguaceiro.
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