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Inspirar as pessoas a se expressarem

Ou uma escrita para recordar desejos

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.” Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia

Inspirar as pessoas a se expressarem. Esse foi um dos primeiros lemas do mínimo diário e até hoje ele reverbera. Talvez, como algo que atua por baixo, sabe? Algo tão na carne, que a gente não precisa falar, pois já é. De qualquer modo, aquilo que a gente não fala acaba algumas vezes por sumir, então repito aqui: inspirar as pessoas a se expressarem.

 

A intenção de escrever

Digo isso pois recebemos um retorno que me fez recordar essa frase. Uma participante da oficina Gesto de fazer, das turmas virtuais, nos deixou o seguinte comentário:

“A oficina resgatou a lembrança da encadernação e o gosto pela construção de livros, mas sobretudo, foi uma brisa de inspiração para reinvenções para mim. [...] Vocês fazem essa rede ficar viva muito bem com as postagens no Insta, que me inspiram e me nutrem. Continuem!”

Escrevo este texto na intenção de trabalhar essa frase como ação e reflexão, inspirado um tanto por Paulo Freire, patrono da educação brasileira, em seu modo de ser educador e um tanto por bell hooks, educadora estadunidense que tem como foco de seu pensamento a interseccionalidade entre raça, gênero e capitalismo, em sua crítica como prática de transformação.

Para Paulo Freire, quem educa não pode apenas narrar ou comunicar, é preciso conversar, dialogar. O fazer educativo é uma relação, em que tanto aprendizes como educadoras e educadores, aprendem e ensinam conjuntamente. E ao aproximar essa ideia de nossa ação, percebo que nos conhecemos como um coletivo de encontros porque queremos nos relacionar.

"Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão." Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido.

Nessa citação, Paulo Freire ainda usava “homens” como um universal para a humanidade. Felizmente, mudou depois. Óbvio que após as críticas feministas que recebeu e das reflexões a partir disso. E é nesse lugar que fico nessa escrita. Apenas dizer “Inspirar as pessoas a se expressarem” é suficiente? Não escrevo isso no sentido de quantidade. Escrevo no sentido de construção de sentido próprio. Quê que é isso de inspiração? Quais pessoas? E como assim, expressar, expressar o quê? São algumas das perguntas que vão pulando por aqui.

 

Descascar silêncios leva tempo

Entre silêncios, fazeres, palavras e trabalho o coletivo vem se fazendo. E essa expressão também conversa com outra frase que ouvimos faz pouco: “Vocês ainda são um coletivo? Caramba!” Sim, somos! Ou melhor, estamos nesse fazer coletivo, há quase 7 anos, e o que em muito nos une é esse mesmo fio do começo da escrita: inspirar as pessoas a se expressarem. E agora, o foco se altera. As pessoas somos nós mesmas. A gente em nossas inseguranças como artistas, educadoras, escritoras, gente que faz e trabalha. São esses fluxos dos encontros que vão construindo o nosso sentido no mundo.

Recordo agora a primeira frase que criei para dizer do coletivo: Invente um meio. Ela não surgiu como algo motivacional, ou como algo que nos fale de superação. Apareceu porque entre a primeira e a quarta capa de um livro existe um miolo em branco, um meio a ser preenchido, a ser vivido. Estamos nesse lugar, buscando “Inventar um meio”, afinal é tudo autobiográfico e ao mesmo tempo, o que menos queremos é ficar presos em nós mesmas, em nós mesmos.

bell hooks fala em sua trajetória como educadora da importância de seu encontro com a ação-reflexão de Paulo Freire, e compartilha como foi quando o interrogou sobre sua escrita marcadamente sexista:

"No mesmo instante em que certas pessoas falaram contra o fato de eu levantar essas questões e desvalorizaram sua importância, Paulo interveio para dizer que essas questões eram cruciais e as respondeu. Nesse momento eu realmente tive amor por ele, porque ele exemplificou com atos os princípios de sua obra. Se ele tivesse tentado silenciar ou desvalorizar uma crítica feminista, muitas coisas teriam mudado para mim. E não era suficiente, para mim, que ele reconhecesse seu “sexismo”. Eu queria saber por que ele não tinha mudado esse aspecto de sua obra anterior, por que não tinha reagido a ele em seus escritos. Então, ele falou que se esforçaria mais para falar e escrever publicamente sobre essas questões – fato que ficou claro em sua obra posterior." bell hooks, em Ensinando a transgredir

Esse processo de descascar a própria pele, de ser cada vez mais marcada e marcado pelas ações que se pratica e se reflete. E de ao mesmo tempo ser exposto nas lacunas, nos vazios, nos perigos de si mesmo, de si mesma. bell hooks, no mesmo texto, ainda diz: "O próprio modelo de pedagogia crítica de Freire acolhe o questionamento crítico dessa falha na obra. Mas o questionamento crítico não é o mesmo que rejeição". E mais para frente, continua:

"A presença de Freire me inspirou. Não que eu não visse um comportamento sexista da parte dele; mas essas contradições são abraçadas como parte do processo de aprendizado, parte daquilo que a pessoa luta para mudar - e essa luta, muitas vezes, leva tempo." bell hooks, em Ensinando a transgredir

Descascar outra vez: Paulo Freire, bell hooks, mínimo diário, você, eu... Estamos aqui aprendendo no encontro, na diferença não hierárquica. Estamos? A educadora constrói seu sentido com a experiência e nos permite pensar junto, agir junto ao compartilhar sua ação em escritos, ao se inspirar e se expressar constrói mundos. Expressar se torna um construir? E se for desconstuir?

Como pode isso, uma frase escrita em um formulário de avaliação, ter tamanha força a nos remeter a tantos processos de nossos fazeres. Espero que essa escrita, de algum modo, chegue aí. Pois é isso, escrevo para te inspirar a escrever se isso for. Quem sabe assim a gente se torna mais a gente mesmo, e ao mesmo tempo, se torna cada vez mais outra? Viver pode ser isso: narrar e ensinar e aprender e (des)construir nós mesmas, sempre no encontro com outras, outres y outros. Para isso, apenas um aviso: é preciso fazer, é preciso dizer. Essa ação-reflexão pode ser um jeito. Qual é o teu?


vinicius

 

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